!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> Panteras Rosa: Hoje, Portugal vê-se ao espelho

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Hoje, Portugal vê-se ao espelho

Comunicado de Imprensa - Panteras Rosa - Frente de Combate à Homofobia

Aparentemente torturado, moído de pancada por um grupo de catorze adolescentes, abandonado moribundo, pontapeado no dia seguinte para verificar se estava vivo, e finalmente atirado para um fosso com dez metros de profundidade depois de morto. Um assassinato com todos os contornos de um provável crime de ódio - a investigação policial esclarecerá - revelado pelo Jornal de Notícias de hoje, e que terá ocorrido no passado fim de semana.
Em casos desta gravidade, não se especula sem aprofundar a informação disponível. Mas não é cedo para afirmar o que sabemos e sempre soubemos:
Os crimes de ódio existem em Portugal, mas não são normalmente reconhecidos como tal, e acabam por ser julgados como de delito comum. Da agressão implícita à agressão explícita, e sim, aos casos extremados como os que resultam na morte de pessoas, tudo isto existe. Situações de assassinato não serão frequentes, muito menos com menores envolvidos.

Mas os casos de perseguição homofóbica têm claramente aumentado em Portugal:
A 15 de Maio do presente ano, terá passado um ano sobre a manifestação contra a homofobia que teve lugar em 2005 contra a agressão organizada de que eram sistematicamente vítimas os homossexuais na cidade de Viseu, caso denunciado pelas panteras Rosa. Desde então, um manto de silêncio. Que faz a Justiça? Porque demora tanto o Ministério Público? Já foi esquecido e arrumado? Será porque ainda não morreu ninguém em Viseu?
Situações idênticas à de Viseu têm vindo a ser denunciadas um pouco por todo o país, como em Braga e Évora. No último ano foram relatados, e encontram-se sob investigação, vários casos de agressão por populares ou agentes das polícias a homossexuais por motivo da sua orientação sexual. Em Portalegre, em 2005, a Justiça decidiu favoravelmente à queixa de um sexagenário agredido no centro da cidade por ser homossexual. No Porto ou em Guimarães, mas também em Lisboa, registaram-se nos últimos anos casos de assaltantes especializados no rapto e roubo de homossexuais. Recentemente em Vila Nova de Gaia, um casal de jovens alunas foi discriminada e levada à exclusão escolar pelos próprios docentes de uma Escola Secundária. Muitos outros casos chegaram ao conhecimento público. Outros não.
Precisamente hoje, a imprensa divulgou que o casal de lésbicas que recentemente iniciou uma batalha legal pelo direito ao casamento civil foi forçado a apresentar queixa na GNR devido a ameaças por parte dos vizinhos.
Um estudo do Observatório Nacional de Saúde sobre a violência no meio escolar, de 2001, revelou então que "os grupos contra os quais 26 por cento de jovens violentos exerciam ou seriam capazes de exercer violência eram, por ordem, ciganos, toxicodependentes, homossexuais, africanos e alcoólicos". É claro para nós que os opositores da igualdade de direitos para a comunidade gay, lésbica, bi e trans portuguesa têm em vista a continuidade de um modelo social assente na hipocrisia e no preconceito, e que à ideologia do ódio corresponde sempre uma prática do mesmo. É este o sacrossanto modelo que queremos continuar a transmitir e ensinar aos nossos filhos? O ministro da Solidariedade e Segurança Social diz-se "chocado". Hoje, Portugal vê-se ao espelho?
Três vezes marginalidade, três vezes exclusão. Aliás, quatro, porque culpados ou não, os jovens suspeitos do assassinato pertencem a uma das instituições de um sistema de protecção de menores que que cada vez deixa mais claro ser mais parte do problema que da solução. A vítima mortal era, segundo o JN, frequentemente perseguida pelo grupo.
Em Portugal, várias instituições do chamado Ensino religioso ensinam militantemente, com direito a explicitação curricular, que a homossexualidade é uma realidade condenável e pecaminosa aos olhos de Deus, e que o deve ser socialmente. Os jovens em causa encontravam-se nesse contexto de educação religiosa, num colégio ligado aos salesianos. Não relacionar a expressão da homofobia, mesmo dos seus extremos, com a des-legitimação discursiva, ideológica e social de que são alvo as orientações sexuais e identidades de género não-conformes com a maioria é querer ver os efeitos sem querer conhecer as causas. Não é assim, perante a indiferença da maioria e dos responsáveis políticos, que os preconceitos sociais e sexuais se vão reproduzindo ad eternum de geração em geração? Os jovens suspeitos do homicídio no Porto afirmaram não ter tido intenção de matar. "Não matarás", dizem os mandamentos. Mas podes bater à vontade?
Três vezes discriminação, três vezes fragilidade, catorze vezes ódio: travesti, toxicodependente, sem-abrigo - a demonstrar como se associam, sobrepõem e reforçam mutuamente as diferentes exclusões em Portugal -, que não se diga nos media, apenas, que a vítima o era, e que não se esqueça, sobretudo, que em primeiro lugar era uma pessoa, e um alvo fácil. Mas não faltará neste país quem pense - mesmo que não exprima - que alguém assim merece morrer.
Sobre este crime, de qualquer forma hediondo, o movimento Panteras Rosa - Frente de Combate à Homofobia, questiona o país:
E agora, senhores, a homofobia continua ignorável? É assim tão descurável num Portugal em que até crianças são levadas a discriminar a ponto de recorrerem à agressão física?
Julga o Estado que favorece outro exemplo quando é o primeiro a discriminar, nas leis e na vida? Ou julga que não dá exemplos?
Que julgará o director do Jornal Público, que com excelente sentido de oportunidade sugeria ontem no seu editorial que a eventualidade de a homofobia ser acrescentada à legislação sobre crimes de ódio - como proposto recentemente no Parlamento - era uma tentativa de limitação da liberdade de expressão? César das Neves - longe de ser o único - agradece-lhe, com certeza, a simpatia. Porque ele sim, sabe, mesmo que não admita, que as posições medievais e cataclísmicas que vem defendendo sobre a homossexualidade e a sexualidade em geral têm consequências. A des-legitimação social, a discriminação e a desigualdade geram ódio, e este por vezes chega a extremos. Nada consigo?
Estamos já à espera que os senhores venham desvalorizar o crime - e/ou o ódio -, e já tentamos adivinhar argumentos? Será pela idade dos agressores ou mais pelo lado da marginalidade da vítima? Ou será que estes jovens estavam apenas no limite da liberdade de expressão?
Ao governo e aos partidos políticos, perguntamos para quando o assumir de responsabilidades, o reconhecimento da discriminação relativa à orientação sexual e à identidade de género como um grave problema social. Exigimos que estas discriminações sejam incluídas na legislação sobre crimes de ódio, exigimos a implementação séria da Educação Sexual nas escolas, com políticas educativas concretas contra as discriminações, seja pela condição social, orientação sexual, identidade de género, nacionalidade, deficiência ou outros motivos. Exigimos o reconhecimento oficial do 17 de Maio enquanto Dia de Luta Contra a Homofobia. Exigimos políticas de igualdade e justiça social, ao invés das que promovem activamente as exclusões.
Exigimos que este e todos os casos que se encontram presentemente em trâmite judicial sejam realmente investigados e contextualizados, e que se faça realmente justiça. Exigimos igualdade plena e todos os direitos, e o fim da discriminação.
Exigimos também, indignação e consequência.

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