Desde sempre, o movimento LGBT, nos países onde se desenvolveu e desenvolve, utiliza e apela ao conceito de orgulho. Ainda hoje, em Portugal, a comunidade LGBT que temos, pouco comunitária e com muito baixa auto-estima (seja ela colectiva ou invididual), o termo "orgulho" causa confusões indescritíveis. É necessário esclarecer que o movimento nunca se referiu ao orgulho de se ser gay, lésbica, bisexual ou trans. Não se pode ter orgulho numa orientação sexual, porque nós não a escolhemos nem a construímos. Ela faz, no entanto, parte do que somos, e do que somos, isso sim, devemos ter orgulho. "Orgulho" não é, assim, mais do que a auto-estima de quem, apesar de viver uma orientação sexual publicamente condenada, perseguida, discriminada, levanta a cabeça no dia-a-dia e se recusa a ser rebaixad@ ou a ter vergonha de si própri@ em função dessa orientação sexual. O oposto de "orgulho", neste sentido, é exactamente a vergonha de sermos o que somos, e não me refiro apenas à orientação sexual. Mas, em Portugal, onde o peso da moral dominante tradicional é ainda extremado, a maioria da população LGBT vive envergonhadamente a sua orientação sexual. O principal motivo para isso é a discriminação exercida socialmente, que tanto tenta empurrar a homossexualidade para a clandestinidade, vedando o mais possível a divulgação de modelos positivos não-heterossexuais (não que precisemos de modelos, mas porque estes nos ajudam a relativizarmo-nos e crescermos enquanto pessoas plenas, independentemente da nossa orientação sexual). Mas boa parte da repressão exercida sobre a população LGBT é auto-discriminação. Não é de espantar: dois milénios de opressão conjugados com a educação sexista e homofóbica a que 99 por cento de nós seremos sujeit@s fazem destas coisas, levam muit@s de nós a criar defesas. Esconder a orientação sexual é uma defesa (e um direito, face à discriminação), embora só a sua visibilização na sociedade possa alterar o estado de coisas. Mas à força de esconder, e de tanto emprenharmos pelos ouvidos que isto é feio, não se faz, e que há maneiras correctas e outras incorrectíssimas de amar ou de viver a sexualidade, muitos gays, muitas lésbicas, bi e trans absorveram de tal forma este sistema de valores que chegam a acreditar nele, e a reproduzir essa mesma ordem moral que está na origem da sua opressão. É daí que nasce a discriminação interiorizada: a homofobia, a bifobia, a lesbofobia e a transfobia com que quotidianamente nos podemos confrontar no próprio meio LGBT. É uma defesa mais do que óbvia, para quem se apercebe de uma sexualidade que tem dificuldade em gerir e aceitar - fomos educad@s para isso mesmo - distanciar-se de alguma forma das restantes pessoas vítimas do mesmo caldo discriminatório. Este fenómeno vai desde gays misógenos até ao discurso "anti-bichas" ou "anti-travecas", passando por um falso escalonamento entre "bons" gays (leia-se os que não dão nas vistas e se integram de forma a não chocar com a norma social que os censura) e "maus" gays, os exibicionistas que dão nas vistas e só querem é chocar. Já para não falar do discurso recorrente do "eu nunca fui discriminado"... Das duas uma, ou não foi porque mantém o seu segredo fechado a sete chaves, ou tem-se esquecido de abrir os olhinhos... Passem as caricaturas, é evidente que estes estereótipos internos são injustos e inaceitáveis. É evidente que a homossexualidade, a bisexualidade, o lesbianismo, a transfobia, só serão vividos livremente, em pé de igualdade, sem ser apontados a dedo, quando a própria comunidade aceitar a sua diversidade e se tentar compreender. É um esforço para a auto-estima que é condição absoluta para o crescimento e a vitória do movimento em Portugal. A discriminação não acabará enquanto o sexismo continuar a definir papéis estritos, distintos e desiguais entre homens e mulheres, o que faz com que sexismo e transfobia no interior da comunidade sejam um verdadeiro tiro no pé. A discriminação não terminará enquano não for reconhecida a fabulosa diversidade sexual do ser humano, pelo que os discursos anti-bisexualidade são outro tiro no pé. A discriminação não terminará enquanto houver LGBT que insistem em julgar os restantes LGBT pela bitola da moral sexual heterosexista.
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