Reunião com a direcção do I.P.S. - 12 Julho
Reunião com a direcção do Instituto Português do Sangue de 12 de Julho
No dia 16 de Maio, as Panteras Rosa entregaram no Ministério da Saúde um pedido de intervenção do Ministro Correia de Campos junto do Instituto Português do Sangue (instituição sob a sua tutela), apelando à toma de medidas políticas necessárias para pôr cobro à discriminação de homossexuais masculinos na doação de sangue. Na sequência desta acção, foi requisitada, pelo próprio director do IPS, Dr. Gabriel Olim, uma reunião com as Panteras Rosa, no sentido de esclarecer a situação.
Resumo do encontro: Na referida reunião estiveram presentes, por parte das Panteras Rosa, Sérgio Vitorino e Bruno Maia, da parte do IPS figuraram Gabriel Olim, director, uma consultora para a Saúde Pública e uma consultora Jurídica.
A reunião iniciou com uma pequena introdução do director, que não só referiu os objectivos essenciais do IPS – recolha de uma grande quantidade de dádivas para fazer face às necessidades do país e de apuramento da qualidade dessas dádivas através do rastreio de sangue contaminado – como nos explicou que Portugal, está desde há 4 meses em auto-suficiência transfusional, isto é, a doação de sangue, pela primeira vez, é suficiente para as necessidades dos nossos hospitais.
No ponto seguinte, o Dr. Gabriel Olim explicou que a base do critério de exclusão para homossexuais masculinos, reside na uniformização de critérios internacionais, a que o IPS está sujeito por integrar uma rede europeia de transfusão sanguínea. De acordo com este, em quase toda a Europa, os homossexuais masculinos estão excluídos da dádiva, facto que assenta unicamente em dados epidemiológicos. Estes dados, que terão sido recolhidos nos EUA, mostram que a aceitação da doação por homossexuais implicaria um risco de recolha de sangue contaminado aumentado em 100%. Ou seja, o risco de um doente receber uma dádiva contaminada duplicaria! Aceitando, por contra-argumentação nossa a desactualização destes dados e a desadequação à realidade Portuguesa, Gabriel Olim, referiu que para contrariar estes dados e acabar com a discriminação, só o poderá fazer quando a nível europeu surgir algum estudo epidemiológico de base populacional e fidedigno, que demonstre claramente que a prevalência de infecção por HIV, HBV e HCV não apresenta diferenças significativas entre homo, bi, ou heterossexuais. Só com base em informação deste tipo é que o IPS poderia aceitar mudar este critério. Caso contrário, este instituto teria de justificar-se perante os organismos internacionais e a opinião pública.
Perante a contra-argumentação das Panteras, reafirmando a necessidade de se falar em comportamentos ou práticas de risco e não em grupos de risco, da actualização dos critérios de doação, tornando-os mais ajustados à realidade, de percepção por parte do IPS que não é a orientação sexual que está em causa mas sim as atitudes individuais de cada dador face à sua sexualidade, o director do IPS volta a reafirmar a pressão a que está sujeito e que uma alteração de política só poderia advir de um facto cientificamente concreto.
É nesta fase que nos é proposto, pelo IPS, um acordo comum: o IPS sugere a realização de um estudo epidemiológico, por uma entidade independente, com proposta de colaboração da Coordenação Nacional para a infecção do HIV/Sida, em que fossem avançados resultados comparativos, que atestem estatisticamente não existir diferença significativa na prevalência de doenças infecciosas entre grupos de homossexuais e grupos de heterossexuais. Desta forma, o IPS comprometer-se-ia a alterar as regras na selecção de dadores e a apresentar os resultados deste estudo a nível Europeu, no sentido de sensibilizar os restantes países a alterarem também as suas regras. O IPS disponibilizar-se-ia a colaborar de forma independente e aceitaria a presença de associações LGBT e de luta contra a SIDA como observadores externos. O Dr. Gabriel Olim reforçou ainda que esta seria a única forma de conceder às alterações necessárias e seria também uma forma de criar uma trégua com a contestação que lhe tem sido dirigida.
Confrontado com a discrepância e deturpação preconceituosa das regras e critérios nos vários centros de recolha de sangue do país – ex. ainda há menos de uma semana recebemos queixa de um dador homossexual a quem o médico responsável de um centro de recolha em Torres Vedras afirmou que “para os homossexuais não há período de janela definível”. Outro exemplo, o próprio IPS reconhece a existência ilegítima, face às suas normas estipuladas, de casos em que dadoras lésbicas foram excluídas pela sua orientação sexual - o IPS comprometeu-se ainda a enviar uma nova (Olim referiu circulares anteriores, de que não tínhamos conhecimento) circular normativa a estes, no sentido de cumprirem objectivamente as regras centrais do Instituto.
Comentário: Deste encontro retiramos várias conclusões importantes. Em primeiro lugar, pela primeira vez, o IPS demonstra, ao convocar a reunião, que a pressão que tem sido feita por parte de partidos políticos e movimento LGBT tem causado incómodo junto deste instituto. Em segundo lugar, o IPS reconheceu claramente que as declarações do ano passado segundo as quais estava em preparação uma revisão das normas que afectaria esta proibição eram apenas estratégicas, e portanto, falsas.
Depois interpretamos que a proposta de realização deste estudo é, claramente, uma tentativa de silenciamento da questão junto daqueles que se têm manifestado contra as regras de doação. A realização de um estudo desta envergadura leva o seu tempo, tempo que seria suficiente para o IPS ter a trégua desejada.
Contudo, a proposta do IPS lança um desafio interessante, e até independente da problemática do sangue: estudar os comportamentos sexuais dos Portugueses (e não apenas da população homossexual), permitindo-nos perceber a realidade dos comportamentos para a saúde e das IST’s também na comunidade homossexual com utilização de recursos estatais, o que seria inédito.
Deixámos, assim, claro ao presidente do IPS que um estudo desta natureza nos interessa, mas não porque permita retirar conclusões para doação de sangue: nenhum estudo sobre um grupo social, mesmo que conclua que existam diferenças em termos de epidemiologia (e essas são sempre conjunturais e mutáveis ao longo do tempo, exigindo sempre estudos sucedâneos), pode servir para uma exclusão generalista do mesmo grupo social, porque, lá está, o foco da selecção dos dadores deve estar nos comportamentos e práticas sexuais de risco, e não na orientação sexual das pessoas, ou seja, cada pessoa é um caso. Mais, afirmámos que qualquer estudo sobre a sexualidade dos portugueses, mesmo que venha a apontar diferenças na incidência de IST’s entre hetero e homossexuais, comprovará algo muito mais determinante – ou devia sê-lo – para quem pretende garantir a qualidade do produto sanguíneo: a inexistência de práticas sexuais especificamente homossexuais – sexo anal, sexo oral, todos os tipos imagináveis de penetração genital ou com recurso a objectos, continuamos à espera que nos indiquem uma prática, de maior ou menor risco, que se possa dizer que é praticada por homossexuais e não exista entre heterossexuais. Visto que os dados epidemiológicos hoje disponíveis em Portugal apontam, por exemplo, para um grande crescimento da taxa de infecção pelo VIH entre mulheres casadas, perguntámos ao presidente do IPS se seria justificável que isso fosse critério para excluir liminarmente da doação as “mulheres casadas”. Obviamente que assim se demonstra um duplo critério, e que a generalização só é aplicada contra um grupo socialmente estigmatizado como é o da população homossexual masculina. O IPS reconhece, claramente, que a norma não existe por critério médico, mas como consequência do preconceito social contra a homossexualidade.
De qualquer forma, ao propor tal estudo, Gabriel Olim, a quem reconhecemos – e deve registar-se – capacidade de diálogo e disponibilidade para ouvir e argumentar (que o seu antecessor não tinha), reconhece que a norma proibitiva do IPS se baseia em… nada, ou seja, num desconhecimento de facto da realidade do grupo social que se exclui liminarmente.
Sabemos, por outro lado, que a Coordenação Nacional para a Infecção VIH-Sida já se encontra a financiar um amplo estudo sobre a sexualidade dos portugueses, pelo que não se justificará a realização de um novo estudo, muito menos um estudo apenas epidemiológico. De qualquer forma, tal como o IPS pelo seu lado, estamos a desenvolver contactos com o coordenador nacional para auferir a sua posição sobre esta proposta. Se ela, como prevemos, apontar para este estudo já em realização, naturalmente, convidaremos o IPS a retirar dele conclusões, não quanto aos dados epidemiológicos, porque esses não são generalizáveis (o IPS não generaliza para todos os homens heterossexuais, por exemplo, o facto estudado de 40% destes recorrerem a sexo com prostitutas e de uma alta percentagem o fazer sem recurso ao preservativo), mas sobre, precisamente, a inexistência de práticas sexuais especificamente homossexuais.
Em conclusão:
- estudos, para mais não-exclusores da realidade lgbt e financiados estatalmente, colaboraremos com o IPS e outras entidades, em todos os que quiserem realizar, desde que não sejam tendenciosos. Não temos medo da informação que estes possam revelar, nem somos dos que pensamos que se os dados epidemiológicos revelarem um crescimento das taxas de infecção entre homossexuais, é um desastre que tais dados sejam divulgados. Só conhecendo a realidade se pode intervir nela. Se o movimento LGBT tiver por essa via de regressar em força à prevenção, como nos anos 80 foi necessário fazer, é porque isso se revela necessário. Se – e repetimos, se - assim for, assim terá de ser, e não podemos fugir a essa responsabilidade. Mais – achamos duvidoso que, a serem revelados dados que indiquem um crescimento das taxas de infecção entre a população LGBT, eles não sejam acompanhados pela constatação de um crescimento idêntico entre a população heterossexual.
- Isso não tem nada que ver, porém, com a questão da doação de sangue. O fim da norma proibitiva justifica-se pela inexistência de práticas sexuais especificamente homossexuais, e pela ilegitimidade de generalizações sobre todo um grupo social. Só os comportamentos de risco importam, e esses só são analisáveis pessoa a pessoa, e se o IPS insiste em não pensar assim, então é este organismo o primeiro a colocar em risco a segurança do produto sanguíneo, e a eficácia da sua própria missão. Que os responsáveis políticos e os médicos do IPS não o entendam, é sem dúvida o maior e mais perigoso comportamento de risco no que toca à protecção da qualidade do sangue.
Esperamos assim, que brevemente seja planeada uma reunião entre associações LGBT, Coordenação Nacional para a infecção VIH/Sida, associações de luta contra a sida e IPS, e prestaremos contas públicas sobre o desenvolvimento deste processo de diálogo. Não esperamos, pelo que acabamos de descrever, que o IPS altere a norma discriminatória a breve prazo, pelo que o nosso único compromisso é o do diálogo, da continuação da afirmação das nossas posições, sem prejuízo da colaboração nos estudos independentes que venham a ser propostos.
Panteras Rosa – Frente de Combate à LesBiGayTransfobia
Etiquetas: discriminação de Estado, homofobia, sangue, VIH / HIV
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