!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> Panteras Rosa: "Mãos ao alto, a Chueca é um assalto!"

terça-feira, julho 03, 2007

"Mãos ao alto, a Chueca é um assalto!"


As Panteras no cortejo alternativo no Europride 2007

"Mãos ao alto, a Chueca é um assalto!": é reveladora a palavra de ordem que mais sucesso fez ao longo das muitas horas em que o Bloque Alternativo - rede que congrega vários colectivos LGBT alternativos de Madrid - desfilou no Europride este final de semana. Sob o lema "Orgulho é protesto, a quem é que isso incomoda?", o desfile crítico, mas integrado no cortejo do Europride, começou por juntar 300 activistas, entre os quais um grupo de Panteras Rosa de Lisboa e do Porto, e foi engrossando ao longo do dia, pela simpatia despertada junto do público que assistia, a ponto de ter terminado com mais de 1500 pessoas e constituído um dos maiores, senão o maior, cortejo na manifestação do Europride.


De facto, as palavras de ordem escolhidas pelos nossos parceiros madrilenos parecem ter sido escolhidas para ir de encontro aos sentimentos de largas camadas do público: "fufas e maricas, também queremos casas"; "maricas e fufas também são classe operária"; "prazer anal contra o capital, prazer clitoriano contra o vaticano", e outros dizeres POLÍTICOS arrancaram uma recepção entusiástica da parte de milhares de pessoas, demonstrando bem as contradições actuais do processo de "normalização" da causa LGBT no Estado Espanhol, e um mal-estar evidente com a extrema comercialização e despolitização crescentes do movimento, sobretudo após os recentes - e importantes - avanços legais ali conquistados (casamento, adopção, Lei de Identidade de Género), que representam de alguma forma - e erroneamente - um "fim de linha" e um adormecimento para o movimento mais institucionalizado, e muito colonizado pelo PSOE, que se encontra no governo, como se a discriminação tivesse terminado com a igualdade formal reconhecida na Lei e não houvesse mais motivos para lutar, e como se os avanços sociais conseguidos em grande parte através do poder e da influência do "comércio rosa" não fossem acessíveis apenas a uma minoria da comunidade com poder económico para o consumo.

Eurocirco?
O Europride em si é o exemplo máximo deste estado de coisas: com quase nada de política ou reivindicação, parece uma ode ao dinheiro e ao consumo e à confusão instalada entre emancipação e capacidade de consumir, uma catedral de corpos masculinos (eles rendem sempre mais dinheiro do que elas), todos iguais, musculados pelos mesmos ginásios, como se talhados a plástico e produtos de beleza para parecerem qualquer coisa como "verdadeiros gays", com o comércio a definir identidades em vez das pessoas, como se o "gay" se definisse pelo que veste e consome. Enormes camiões TIR de todo o tipo de marcas e projectos comerciais, todo o tipo de multinacionais vestidas de arco-írios e transfiguradas em "amigas" dos gays, o camião do google a perguntar se já comprámos o nosso não-sei-o-quê, a Coca-cola a dizer-nos que os gays é aquilo que bebem (ou então não são gays?), numa espécie de mundo rosa em que supostamente já não há discriminação, mas tudo se compra e vende (até o direito a ser-se gay) e se conclui que quem não compra não ganhou ainda o direito à não-discriminação. Um circo? Foi a melhor palavra que nos ocorreu: um grande, grande circo.


E no entanto, nas ruas de Madrid, fora do conforto "conquistado a consumo" no bairro Chueca, a homofobia e a transfobia a nú, como sempre esteve. As iniciativas da Bloque Alternativo, centradas nos bairros populares de Madrid - passeatas, debates públicos, comidas populares em praças centrais... - a despertarem tanta simpatia como as reacções fóbicas e agressivas que talvez esperássemos encontrar em Lisboa, mas já não em Madrid. Ah não? Pois, sim. Longe do negócio e das multinacionais, longe do euro rosa e entre quem não o tem (rosa ou de outra cor), tudo na mesma, e o conflito social que nos opõe à LesBiGayTransfobia absolutamente reconhecível e às claras, como todos os dias o sentimos no nosso próprio País. E nos bairros pobres, entre quem tem pouco, a comunidade LGBT vista injustamente como privilegiada e rica, pois essa é a imagem que se quer criar.


"Orgullo Europeo, Orgullo pesetero!"


Daí o interesse despertado pelas organizações do Bloque Alternativo, em relação ao qual reconhecemos um apoio popular que não se sente de igual forma face a um movimento institucional que se construiu apenas com base na influência política e mediática, no poder do comércio, e numa perigosa e comprometida promiscuidade com o poder político (PSOE). No Bloque Alternativo participam, exactamente, entre muit@s jovens, alguns/mas dos/das activistas mais históricos do movimento, herdeiros da "Radical Gay", anos 90, que ao longo de tantos anos foram aqueles que realmente provocaram a mudança social sobre a qual cresceu o recente e até há pouco tempo pouco influente movimento institucional, mas cujo trabalho este movimento institucional reivindica hoje exclusivamente para si. Assim se reescreve a história, e reescreve-se a dinheiro.Os colectivos e activistas do Bloque Alternativo tentam - sem renegar a festa e a celebração - fazer regressar o movimento LGBT em Madrid aos princípios e reivindicações políticas e sociais originais do movimento LGBT e que, para lá do discurso turístico, se comprova que também no Estado Espanhol continuam por conquistar.

Daí a tomada de posição do nosso cortejo, que não se deixou dispersar no final da manifestação - como pretendiam e tentaram impôr os organizadores - e reapareceu numa espectacular acção directa não-violenta de 300 activistas que simplesmente detiveram a marcha do Europride durante 15 minutos, ao iludirem a polícia e se sentarem e bloquearem a passagem a um dos grandes camiões TIR com um conjunto de faixas onde se lia "os nossos direitos não são um negócio". O camião em causa foi bem escolhido, mas outros poderiam ter sido: este pertencia à empresa "Infinitamente Gay", que patenteou a sigla "Europride" no Estado Espanhol, e à qual têm agora de se pagar direitos se se quiser utilizar a palavra.

"Orgulho Europeu, orgulho do dinheiro", gritou-se. E com razão, num contexto em que o comércio se substituiu claramente e ilegitimamente ao movimento social, com a permissão de uma elite privilegiada e moderada do próprio movimento.


Política e Comércio


Sinal de "normalização", dizem-nos. Sinal, respondemos nós, de ocultação do facto de nesta sociedade, como ela ainda é, não haver espaço para normalização nenhuma, mas apenas para um atenuar estratégico mas não-duradouro da discriminação em função da capacidade de consumo de cada um/a.

É evidente que ali, como em Portugal, o comércio LGBT (sempre muito mais G que L, B ou T) tem um papel a desempenhar no processo de luta pela libertação LGBT. Que seria de nós sem os nossos bares, espaços de protecção e socialização, e de criação de consciência comunitária, por mais débil que ela seja ainda em Portugal? E porque não haveríamos nós, LGBT, de ter o direito de consumir e produzir bens de consumo que constituam alternativa às referências negativas que sobre nós constrói a sociedade heterossexista? Quem nos dera - e provavelmente está aí um dos caminhos estratégicos para o crescer do movimento LGBT português, das suas marchas e representatividade social - que mais comerciantes e empresários LGBT tivessem consciência da utilidade que poderiam ter se fossem solidários com a causa do movimento social.

Mas não, para a maioria, ainda hoje (e claro que há boas excepções), a única causa é a do dinheiro. Por isso nos insurgimos, por exemplo, no ano passado, contra a organização de uma Lesboa Party que recusou ter materiais de prevenção lésbicos na sua festa, porque isso representa total falta de solidariedade e de consciência social por parte do negócio, que na maioria das vezes quer lucrar com a comunidade mas não quer contribuir para a sua emancipação. O que não surpreende, aliás, num País tão fóbico em que chega a ser mais fácil encontrar heterossexuais que compreendem e pressentem esta discriminação, do que gays,
lésbicas, bissexuais ou trans que reconheçam a discriminação de que são alvo a todo o momento. "Eu nunca fui discriminado", dizem-nos. E nós rimos, ou choramos, é para onde der, mas indiferentes não podemos ficar, e nesse momento temos consciência do nosso atraso.
Compensam-nos as afinidades que encontrámos com tantos grupos de activistas de Madrid - e de Aragão, Catalunha, País Basco, Galiza, Andaluzia - que não se renderam à total comercialização e despolitização do movimento LGBT que por ali faz mossa funda e que observado de perto desmistifica em grande medida essa "Espanha" que o movimento LGBT tem aqui usado como referência estratégica para tentar - tarefa ingrata - iluminar alguma coisa das cabecinhas envergonhadas dos políticos portugueses.

De resto, de assinalar o cortejo da ILGA Portugal, que optou por participar no desfile oficial com uma faixa "Portugal zero, Espanha 3", igualmente muito bem recebida pelo público, e ainda bem, por ser mais 1 dos poucos expoentes políticos naquele grande circo a que chamam europride e que mais parece um desfile de multinacionais, um culto bizarro do corpo (masculino) formatado, uma celebração do dinheiro e do consumo, com muito pouca consciência social e política, e já muito pouco de afirmação identitária de um grupo que também ali continua socialmente oprimido. É bom sair de Portugal e ver que não estamos sozinhos, e que tantos e tantas pensam como nós e sentem falta da política e de um movimento social a sério. E é bom sabermos, como também se gritou, que "ainda bem que não somos barbies".

Visto daqui ao lado: