Sinais dos Tempos
O Estado Novo dizia que não havia homossexuais, mas perseguia-os
Texto São José Almeida
Sem dúvida um sinal dos tempos que correm, de afirmação, rejuvenescimento e desenvolvimento do movimento LGBT em Portugal, é o excelente artigo de São José Almeida sobre as vivências homossexuais e o Estado Novo saído no jornal Público desta semana, no dia seguinte à Marcha do Orgulho LGBT do Porto. Sinal dos tempos, porque pela primeira vez com esta profundidade, uma jornalista, um jornal de referência, se debruça sobre uma história que tem sido sistematicamente oculta, apenas por omissão, por ocultação (como quando se abordam os internamentos psiquiátricos de homossexuais e se descobre que os seus registos de entrada nunca referiam o motivo do internamento), ou mesmo através da destruição e desaparecimento de processos, documentos e registos históricos, intencional, como bem documentou a jornalista. Sinal dos tempos, porque até agora só o activismo LGBT o tinha feito e se tinha preocupado com começar a reunir informação, testemunhos (enquanto é tempo e as pessoas estão entre nós), documentos, pistas, um esforço que em grande parte preparou e reverteu para o trabalho de São José Almeida, que conta aliás com testemunhos de activistas, como Fernando Cascais, que têm sistematizado este estudo essencial à memória colectiva de uma comunidade cuja história foi roubada.
Sinal dos tempos, também, porque a nossa história pode ter-nos sido roubada, mas a memória ainda a temos, e estamos a tempo de escrever este outro lado dos acontecimentos históricos que os historiadores do fascismo e do pós-25 de Abril escolheram maioritariamente ignorar. Sinal dos tempos, pela quantidade inédita de precursores e precursoras do movimento LGBT, bem como de testemunhos de pessoas que viveram aqueles tempos, que finalmente dá a voz, e não apenas para os arquivos do activismo, mas também para o grande público. São José Almeida continua e desenvolve um trabalho de investigação que reconhece a população LGBT e a sua perseguição estatuto de sujeitos históricos. E nesta recuperação da nossa memória, deixámos de estar sozinhos.
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