Denúncia de Violência Policial
Com conhecimento à Amnistia Internacional:
Exm@s. Sr(a)s,
O movimento Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransFobia tomou conhecimento, através do testemunho de uma das pessoas agredidas, da seguinte situação que passamos a relatar.
Na sexta-feira, dia 3 de Agosto, a prostituta trans A foi (segundo nos foi relatado, por motivo legítimo e sem que haja notícia de conduta incorrecta por parte dos agentes responsáveis) conduzida pela PSP à esquadra da Praça da Alegria, em Lisboa. Não sabendo do motivo da detenção da amiga e tendo recebido um sms desta a dizer que ia pernoitar na esquadra, as suas colegas B e C dirigiram-se separadamente à mesma esquadra para saber do que se passava e apoiar a colega. B chegou primeiro e entrou. Quando C chegou, não lhe foi permitida a entrada, pelo que B se lhe juntou cá fora. Neste momento, chegam à entrada da esquadra dois agentes fardados e dois (supostos) agentes à paisana e não reconhecíveis como agentes policiais. Houve uma troca de insultos, não estando esclarecido quem iniciou a provocação, e na sequência da mesma, B agride um dos homens não fardados. C intervem, separando a briga e conseguindo colocar B num táxi. Ambas regressam ao Conde Redondo, para o seu local de trabalho, junto ao Hopital dos Capuchos.
É a partir daqui que convém reter o ocorrido: ao chegar, C apercebe-se da presença de dois homens, que não reconhece. É apenas quando B chega no seu táxi que esta se apercebe de que são os (supostos) agentes à paisana. Entra a correr no táxi para avisar a amiga e saírem dali. No entanto, um carro-patrulha da PSP barra o caminho ao táxi. Não ficou esclarecido se os dois agentes fardados - que de qualquer forma estão presentes - participam na agressão que se segue, mas foi-nos transmitido como facto que pelo menos os dois homens à civil a concretizam: C é arrancada de dentro da viatura e agredida a pontapé e bastonada, embora tente defender-se. B foge para uma rua escura e isolada, é seguida pelos homens à paisana e agredida mais fortemente sem que ninguém assista. É finalmente C que afugenta os homens, perseguindo-os com um pau. Não ficou esclarecido em que altura partiu o carro da PSP. Segundo nos foi transmitido B dirigiu-se ao hospital após a agressão, tendo sido observada e submetida a exames clínicos. Desconhecemos se o resultado da observação e dos exames é consistente com as alegadas agressões.
É evidente que a situação ocorrida na Praça da Alegria deveria quando muito ter sido registada pelos agentes, a pessoa identificada e eventualmente até acusada por ofensas corporais. É evidente também que a opção tomada pelos agentes constitui um abuso de poder e uma situação de violência policial e prepotência inaceitável e só compreensível por recair sobre um par de prostitutas cuja experiência de vida e situação social dificultam o acesso a serviços e levam a evitar o recurso às entidades públicas (nomeadamente pelo desconforto provocado pela discrepância entre os elementos constantes nos documentos de identificação e os elementos constitutivos da identidade efectivamente sentida e vivida). Em face do exposto, entendemos que se justifica uma inspecção aos registos da esquadra (livro de detenções, relatórios de patrulha e autos de notícia relativos à noite em questão) por forma a tentar identificar os presumíveis agressores e alegados cúmplices.
Entendemos que tal inspecção permitirá ainda esclarecer as circunstâncias em que se processou a condução de A à esquadra e eventual detenção). Em 1992 e 1995 o Comité para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CPT) assinalou a inexistência de calabouços na Praça da Alegria, pelo que, a menos que tenham sido criadas celas na 4ª Esquadra da PSP nos últimos 12 anos, é estranha a informação transmitida por A de que passaria a noite na esquadra (devendo, quando muito, ser conduzida aos calabouços do Comando Metropolitano de Lisboa - COMETLIS). Essa informação implica também que tenha ocorrido uma detenção ou uma condução à esquadra para identificação em âmbito processual penal, de contrário o período máximo de permanência na esquadra não poderia exceder as duas horas (segundo o Parecer n.º 20 de 2003 da IGAI). A menos que tenha ocorrido a detenção de A a condução esquadra para identificação deveria ter ocorrido apenas em última instância, caso não fosse possível recolher os elementos de identificação de A na rua.
Finalmente, o CPT denunciou em 1995 e 1999 a permanência de detidos algemados ao mobiliário da referida esquadra, situação degradante e inaceitável, que deverá ser também investigada. Solicitamos ainda o reencaminhamento desta informação para outras entidades que entendam competentes para intervir (levando a cabo acções de formação para prevenção de violência policial, por exemplo).
Aguardamos resposta de V. Exas. a este comunicado.
Etiquetas: Lisboa, polícia, trabalho sexual, transfobia
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